Ao longo da história, o futebol
brasileiro sempre foi pródigo em presentear os torcedores com regulamentos
esdrúxulos, para não falar das famigeradas viradas de mesa que vez ou outra
assombravam o esporte nacional. Com o advento do Estatuto do Torcedor (Lei nº
10.671, de 2003), a situação melhorou um pouco. Passou a haver um maior
respeito ao mérito desportivo e, principalmente, uma segurança com relação ao
cumprimento dos regulamentos.
Os nossos dirigentes, entretanto,
continuam sendo, em sua maioria, os mesmos. Aqueles de tempos em que os
regulamentos podiam ser rasgados ou de fórmulas de disputas mirabolantes. Vez
ou outra, ao que parece, eles tentam voltar a exercer aquela criatividade
caricata de outrora. Eis que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF)
resolveu presentear os torcedores com um regulamento curioso. Uma fórmula em
que, por mais incrível que possa aparentar, a derrota se tornará, para alguns
clubes, mais interessante que a vitória.
Com a reformulação do calendário do
futebol brasileiro, a Copa do Brasil teve seu período de duração estendido e,
desta forma, ocorrerá de forma concomitante com o Campeonato Brasileiro, a Copa
Libertadores e a Copa Sul-Americana. Pois bem, ao contrário do que acontece na
Europa (em que um clube disputa o campeonato nacional, a copa nacional [e a
copa da liga, no país em que existe] e o torneio continental), no Brasil, o
clube que quiser disputar a Copa Sul-Americana de 2013 não poderá se
classificar para as oitavas de final da Copa do Brasil. Por conta do calendário
genial de nosso futebol, é inviável que um clube dispute os dois torneios.
Diante disto, chega-se a uma aberração
sem precedentes: um time poderá entrar em campo para perder! Ou seja, ao
contrário do que é lógico e natural no esporte, que é a busca pela vitória, o
clube que quiser disputar um torneio continental terá que abrir mão da vitória
em uma competição nacional (optando pela derrota desportiva).
Essa regra é uma contradição diante do
modelo desportivo no qual o futebol brasileiro encontra seus alicerces e sua
estrutura. No que diz respeito à forma de disputa de nossas competições, nós
nos inserimos no sistema vertical.
Como
se estrutura o sistema vertical?
O sistema
vertical encontra
seus pressupostos no mérito desportivo, quer dizer, na obtenção dos resultados
desportivos em uma competição a fim de se ascender ou descender, bem como de se
obter classificação a uma competição internacional.
As competições ocorrem simultaneamente, e um clube
pode ser campeão ou chegar a uma competição internacional, como, ao mesmo
tempo, corre o risco de ser rebaixado; enquanto que um clube de divisão
hierárquica inferior pode ascender através de suas conquistas desportivas e, um
dia, almejar chegar a uma competição internacional.
A regra de classificação para a Copa Sul-Americana
é uma contradição ao próprio sistema em que o futebol brasileiro está inserido
e no qual encontra sua base de sustentação (jurídica, lógica e, acima de tudo, desportiva).
Exemplo prático da aberração:
O Náutico
disputou a Copa Libertadores da América em 1968. Os torcedores alvirrubros se
orgulham de dizer que são os pioneiros do estado de Pernambuco na mais importante
competição da América do Sul.
Com a boa campanha no Campeonato Brasileiro de 2012, em que terminou na 12ª colocação com 49 pontos, o Náutico tem a possibilidade de, em 2013, voltar a ser o pioneiro de Pernambuco em outra competição continental. Desta vez, a Copa Sul-Americana.
Entretanto,
para poder disputar a Sul-Americana, o Timbu poderá se ver diante de uma
situação em que terá que PERDER na
Copa do Brasil para participar da competição continental.
Chegando à
terceira fase da Copa do Brasil 2013, o Náutico terá que optar entre prosseguir
na competição nacional ou preferir ser
eliminado para, assim, ter o direito de disputar a Copa Sul-Americana e,
desta forma, concretizar o sonho de voltar a uma competição nacional (novamente
na condição de pioneiro em seu estado).
Entenderam
o contrassenso da regra? Em nosso modelo desportivo, o grande objetivo é a
busca por vitórias e títulos. O sucesso desportivo (ganhar jogos, ser campeão)
está acima de tudo, dentro da lógica da estrutura do nosso futebol.
Estava. A
CBF criou uma fórmula em que perder pode ser melhor do que vencer. Uma regra em
que um clube entrará em campo à procura não da vitória, mas sim à espera da derrota.
É ou não é
uma aberração?