Antes de mais nada, gostaria de deixar claro que sempre fui
contrário à legislação que proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estádios de
futebol de Pernambuco.
E minha posição sempre se fundamentou no fato de eu acreditar que
a violência entre as torcidas de futebol não ocorre por conta do consumo de
bebida alcoólica dentro do estádio. E por diversos motivos.
Por exemplo, as bebidas são consumidas livremente nos arredores
das praças esportivas (pior: dentro das áreas sociais dos próprios clubes).
Além disso, o grande foco de violência em torno do futebol em nosso país ocorre
nos confrontos entre as torcidas organizadas, o que independe do consumo de
álcool (e até mesmo dos jogos de futebol em si), como pudemos verificar nesta
semana, nas brigas entre Fanáutico e Torcida Jovem.
Em suma, o problema da violência no futebol brasileiro é
estrutural. Proibir a venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios é uma
medida inócua, pois ela não combate o mal em sua essência e não contribui em
nada para a reestruturação dos eventos esportivos locais.
Posto isto, passo a comentar o recente projeto que foi aprovado
pela Assembleia Legislativa de Pernambuco.
A Alepe aprovou o consumo de bebidas alcoólicas na Arena
Pernambuco durante os jogos das Copas das Confederações e do Mundo. Também foi
aprovada a determinação de que não haverá o direito à meia-entrada para
estudantes, idosos e professores (ao contrário do que acontece em todos os
eventos esportivos e culturais no estado).
Pois bem, o curioso é que as duas medidas são totalmente
convergentes aos interesses da Fifa. A entidade responsável pelo futebol
mundial não investiu um centavo na construção da Arena Pernambuco, muito menos
contribuiu financeiramente para as mais variadas obras de infraestrutura que
estão em andamento, no Recife e Região Metropolina. Mas será ela que mais
lucrará com tudo o que envolverá as marcas das já referidas competições.
Nas duas determinações, há um interesse (da Fifa) em comum e ele é
financeiro.
No caso das bebidas alcoólicas a razão é comercial. Um dos
principais patrocinadores dos torneios Fifa é a AB InBev, proprietária das
marcas Budweiser e Brahma.
Já a questão da meia-entrada está relacionada ao lucro com as
vendas dos ingressos. Ao invés de ser obrigada a separar uma determinada
quantidade de ingressos para vender a um preço mais acessível, a Fifa pode
vender essa mesma quantidade de ingressos a um preço mais elevado, aumentando,
assim, sua margem de faturamento no evento.
A perda do direito à meia-entrada é um absurdo do ponto de vista
do Direito do Consumidor. Depois de anos para que o Código de Defesa do
Consumidor passasse a ser valorizado e respeitado, RASGA-SE, mesmo que
temporária e transitoriamente, uma legislação que visa a proteger o cidadão,
mesmo que apenas quando este se encontra na condição de consumidor (como se
quem não tivesse condições de consumir fosse um cidadão inferior, mas isso é
tema para outro debate).
A liberação da venda de bebidas alcoólicas na Arena Pernambuco,
por seu turno, demonstra como o Poder Público constituído no estado de
Pernambuco agiu em defesa não dos cidadãos pernambucanos, mas sim dos
interesses econômicos daqueles que têm a ganhar com os torneios da Fifa que se
realizarão em nosso estado.
Mais do que isso, essa questão que tem um "objetivo muito
claro e prazo de vigência bastante limitado" (como destacou o líder do
Governo, Waldemar Borges, do PSB de Eduardo Campos), expõe a inocuidade da
norma que proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estádios pernambucanos nos
demais eventos esportivos.
Essa flexibilização temporária e transitória corrobora com o ponto
de vista de que as bebidas alcoólicas não são a causa da violência no futebol.
Vale lembrar que na Inglaterra, país que é exemplo inequívoco não
apenas do combate à violência no futebol, mas também na reestruturação de todo
o esporte nacional (que transformou um campeonato falido e sem crédito na liga
de futebol mais lucrativa do mundo e uma das quatro ligas esportivas mais
importantes do planeta), a venda de bebidas alcoólicas é permitida nos estádios
da Premier League.
No campeonato inglês, os estádios recebem licenças especiais, que
permitem a comercialização 15 minutos antes do começo do jogo, nos 15 minutos
anteriores ao final do primeiro tempo e nos 15 minutos após o início do
segundo.
Geoff Pearson, professor de direito da Universidade de Liverpool,
autor de um livro sobre violência e torcedores ingleses, comentou sobre o tema
em recente entrevista à BBC. "Não tenho dúvida de que existe pressão
comercial para permitir a venda de cerveja". E ainda criticou que, em
algumas competições europeias organizadas pela Uefa, a venda de bebida alcoólica
seja proibida para o torcedor comum, mas permitida em áreas Vips e executivas
dos estádios. “Se você paga uma certa quantia pelo seu ingresso, eles confiam
que você pode beber, mas um torcedor comum, não.”
Ou seja, mais uma vez, fica claro que o problema da violência não
se limita à cerveja que o torcedor consome.
Entretanto, voltando a Pernambuco, mais especificamente para a
Arena Pernambuco, o torcedor do Náutico não poderá consumir cerveja no estádio
em que seu clube mandará os jogos. Mas o cidadão pernambucano verá espanhóis,
uruguaios e, claro, brasileiros, consumindo uma Budweiser na mesma Arena
Pernambuco nos meses de junho/julho de 2013 e 2014.
Em tempo, a Alepe tem 49 Deputados Estaduais. A medida foi
aprovada por 47 (incluindo os deputados do PSB de Eduardo Campos e os do PT como
o ex-presidente do Náutico André Campos). Frise-se que Daniel Coelho, do PSDB,
embora tenha votado favoravelmente, defendeu que o tema não poderia ficar
restrito às duas competições e o debate deveria ser mais amplo.
Apenas dois deputados foram contra. E esses dois o fizeram por se
oporem intransigentemente ao consumo de bebidas alcoólicas no
estádio. Estamos bem servidos...
Por fim, que sejam vendidas bebidas alcoólicas na Arena
Pernambuco, sim! Mas que tal medida seja estendida a todos os eventos e praças
esportivas do estado de Pernambuco. Que não fique restrita aos torneios da
Fifa. Ahh! Só mais uma coisinha... Com meia-entrada, claro!