Bayern de Munique x
Barcelona e Borussia Dortmund x Real Madrid. Quis o sorteio da UEFA Champions
League que espanhóis e alemães se enfrentassem nas semifinais do maior torneio
interclubes do mundo, proporcionando a possibilidade de uma final totalmente
alemã ou espanhola. Mais do simples confrontos entre clubes de dois países, as
semifinais da Liga dos Campeões 2012/13 coloca frente a frente dois modelos
bastante distintos na gestão do futebol. Desde as negociações dos direitos de
transmissão televisiva – negociação coletiva Vs. negociação individual – ao controle
financeiro dos clubes e das Ligas.
Bayern de Munique e
Borussia Dortmund representam a Alemanha, país em que o futebol é controlado e
racional, visando a garantir o máximo de competitividade possível. Do lado
oposto, estão Barcelona e Real Madrid, representando a Espanha, sem organização
hierárquica, com dois gigantes vorazes e egoístas, bipolarizando as disputas
internas.
Certamente, uma final
entre Barcelona x Real Madrid seria como a realização de um sonho para a UEFA e
todos os seus patrocinadores, bem como para as redes de televisão que pagam a
peso de ouro pelas transmissões da Champions League, além, claro da imensa
maioria dos fãs de futebol. Afinal, Real Madrid e Barcelona são,
respectivamente, os dois clubes de futebol que mais faturam em todo o mundo.
Para não falar das constelações que compõem os elencos de ambos os times. Do ponto
de vista meramente passional, da ideia do espetáculo pelo espetáculo, ver os
dois gigantes espanhóis, cuja rivalidade vai muito além das quatro linhas, em
uma final de Liga dos Campeões seria realmente fantástico e histórico.
Porém, analisando-se a
representação simbólica de uma decisão entre dois clubes monopolizadores, de
uma Liga injusta e desigual em sua essência, surge o questionamento: o que
seria melhor para o futebol? Uma final espanhola significaria a vitória do
negócio do futebol sem controle de gastos e das dívidas astronômicas em nome do
pretenso espetáculo? Ou uma final alemã seria o símbolo de que é possível ser
competitivo com os pés no chão, controlando os gastos, estando em uma Liga financeiramente
equilibrada?
Negociações individuais Vs. Negociações coletivas
Na Espanha, La Liga possui modelo de
negociações individuais, em que cada clube negocia a venda dos seus direitos
televisivos diretamente com a rede de televisão. Este modelo tem gerado uma
profunda desigualdade e acarretado em uma enorme perda de competitividade do Campeonato
Espanhol.
Real Madrid e Barcelona, auferem 144
milhões de euros e 133 milhões de euros, respectivamente, pelos seus contratos
com a empresa Mediapro. Estes dois clubes arrecadam 47% do total das receitas
televisivas de La Liga. O terceiro no ranking é o Valência, que recebe 44
milhões de euros, ou seja, três vezes menos do que a dupla de ferro. Logo em
seguida vem o Atlético de Madrid, com 42 milhões de euros. Clubes tradicionais
como Athletic Bilbao e Sevilha recebem cerca de 20 milhões de euros, isto significa
sete vezes menos que os dois principais clubes do país. Estes contratos têm
validade até 2015.
Não por acaso, nos últimos 15 anos,
apenas em três ocasiões os campeões não foram Barcelona ou Real Madrid. Isso
aconteceu na temporada 1999/2000 com o Deportivo La Coruña e nas épocas 2001/02
e 2003/04 com o Valência.
Nos últimos nove campeonatos (contando
que o Barcelona será campeão este ano), o título ficou entre Barcelona (seis
vezes) e Real Madrid (três vezes). Nesse mesmo período, apenas em uma ocasião a
dupla de ferro não ficou nas duas primeiras colocações. Em 2007/08, o Villareal
foi o vice-campeão (Real Madrid campeão e o Barcelona ficou em 3º). Por sinal,
o Villareal, último time a se intrometer na bipolarização, foi rebaixado para a
segunda divisão espanhola na temporada passada, 2011/12.
Na Alemanha,
a Bundesliga, composta por 36 clubes (18 da primeira divisão e 18 da
segundona), negocia os direitos de transmissão coletivamente e divide 75% dos
valores entre os clubes da elite e 25% é repartido entre os participantes da
segunda divisão. O último contrato assinado em 2010 com a operadora Sky, rendeu
1,5 bilhão de euros por temporada para a Bundesliga. Ou seja, 1,125 bilhão de
euros é dividido pelos clubes da primeira divisão, enquanto 375 milhões de
euros é repassado para os participantes da segunda divisão alemã.
Nos últimos
dez anos (contando a temporada 2012/13), a Bundesliga teve cinco campeões
diferentes: Bayern de Munique (5x), Borussia Dortmund (2x), Wolfsburg,
Sttuttgart e Werder Bremen. Nesse mesmo período, o Schalke 04 foi
vice-campeão em três ocasiões, o Werder Bremen em duas e o Leverkusen uma vez.
Não por
acaso, enquanto os direitos de transmissão televisiva representam 39% do
faturamento do Real Madrid e 37% do Barcelona, não passam de 32% e 22% do faturamento
de Borussia Dortmund e Bayern de Munique, respectivamente.
Dívidas astronômicas Vs. Fair-play financeiro
O futebol
europeu, de modo geral, reflete a crise que assola o Velho Continente. Vários clubes,
das principais ligas, têm dívidas astronômicas. Com exceção de um país. A
Alemanha. Refletindo a economia da nação mais estável da Zona Euro, o futebol
alemão é o exemplo inequívoco de um esporte financeiramente saudável. Enquanto
na Inglaterra, os clubes somam uma dívida de cerca de 4 bilhões de Euros. Na
Espanha, são quase 4,2 bilhões de Euros. Por outro lado, na Alemanha, dos 36
clubes da Bundesliga, 33 têm lucros.
De acordo
com os estudos da Deloitte Football Money League, nos últimos quatro anos, Real
Madrid e Barcelona foram os dois clubes que mais faturaram no futebol mundial.
Os Merengues lideram a lista há praticamente uma década. Na temporada 2011/12,
o clube da capital espanhola bateu um recorde histórico: foi o primeiro a
faturar acima dos 500 milhões de Euros. Totalizando 512,6 milhões de Euros. Seguindo
os passos do grande rival, o Barcelona auferiu 483 milhões de Euros em 2011/12.
Mas se
madrilenhos e catalães batem recordes de faturamento ano após ano, as dívidas
de ambos também crescem de forma espantosa. O Real Madrid deve nada menos que
660 milhões de Euros (algo como R$ 1,5 bilhão). O Barcelona não fica muito
atrás, com sua dívida de 549 milhões de Euros, o que acarreta em um patrimônio
negativo de € 59 milhões.
Falando do descontrole financeiro do futebol espanhol, o Governo da Espanha
declarou, há um anos, que seus clubes devem € 752 milhões de
impostos.
200
páginas. Esse é o tamanho do documento que regulamenta como o futebol deve ser
administrado pelos clubes da Bundesliga. Implementadas há cerca de uma década,
as regras impõem um rigoroso controle financeiro às entidades esportivas que
queiram participar da primeira e segunda divisões do Campeonato Alemão. As
normas, resumidamente, impedem que os clubes ajam como adolescentes
descontrolados com o cartão de crédito roubado dos pais. Na Alemanha, só se
pode gastar aquilo que se pode pagar. Seria elementar e óbvio, não fosse uma
exceção em todo o mundo do futebol.
Os clubes
alemães são obrigados a abrirem suas contas para os fiscais da Bundesliga e têm
que provar liquidez financeira suficiente para terminarem a temporada com saldo
positivo. Caso contrário, o clube é punido. As sanções vão desde a perda de
pontos (como ocorreu, recentemente, com o Arminia) ao impedimento de participar
da Bundesliga.
Além disso,
na Alemanha não há clubes que pertençam a sheiks árabes, magnatas russos ou
norte-americanos bilionários. Todos os clubes pertencem aos torcedores
(sócios), que detêm 51% das ações. As exceções são os históricos Wolfsburg (Volkswagen)
e Bayer Leverkusen (Bayer), mas que são parte integradas às suas respectivas
cidades.
Não é por
acaso, portanto, que o Bayern de Munique apresente lucros por 20 anos consecutivos. Os bávaros têm o quarto maior
faturamento do mundo, com € 368,4 milhões em 2011/12.
Nesse mesmo período, o lucro líquido do maior clube alemão foi de espantosos € 332,2 milhões (R$ 877 milhões). Isso em uma
temporada que o Bayern passou totalmente em branco, sem conquistar qualquer
título, sendo vice-campeão europeu, alemão e da Copa da Alemanha.
Mais
modesto, se comparado ao gigante bávaro, o Borussia Dortmund também registrou
um bom lucro líquido na temporada 2011/12. Com um faturamento recorde de 215,2
milhões de Euros, o Dortmund teve um lucro de € 39,3 milhões (livre de impostos). A dívida reduziu de € 56,1
milhões para € 15,5 milhões, representando uma redução de € 40,6 milhões em um
ano.
Recentemente,
os aurinegros anunciaram lucro de € 17, 5 milhões no
primeiro semestre do ano fiscal 2012/13. O resultado é 22 vezes maior do que o
apresentado no mesmo período da temporada passada. É de se imaginar que se bata
novamente o recorde, uma vez que a chegada à semifinal da Liga dos Campeões
representa um faturamento enorme.
Resumindo,
enquanto Real Madrid e Barcelona têm prejuízos ano após ano e acumulam dívidas
de € 660 milhões e € 549 milhões, o Bayern de Munique tem lucros sucessivos há
20 anos e o Borussia Dortmund tem batido seus recordes de lucros, reduzindo sua
dívida a um patamar administrável de apenas € 15,5 milhões, vislumbrando uma
redução ainda maior, já que a temporada 2012/13 já se apresenta como lucrativa.
Categorias de base – modelo a ser seguido
Apesar dos
prejuízos e das dívidas, o Barcelona é um modelo no que diz respeito às
categorias de base. Inspirada e influenciada pelos holandeses Rinus Michels
(criador do “carrossel holandês”) e Johan Cruyff (gênio da “Laranja Mecânica”
dos anos 1970), La Masia é referência na formação de jovens craques. A base da
seleção espanhola, campeã do mundo e bicampeã europeia saiu de lá: Xavi,
Iniesta, Puyol, Piqué e Fàbregas. Para não falar do melhor jogador mundo, o
argentino Lionel Messi, que chegou ao clube catalão com 13 anos de idade. O
Real Madrid, por seu turno, dentre os titulares apenas Iker Casillas foi
formado em La Fabrica. Casillas, por sinal, tem ficado no banco, após
desentendimentos com o técnico José Mourinho.
Depois da
Copa do Mundo de 2006, o futebol alemão se viu diante de um ponto de viragem.
Ou mudava seu modelo de treinamentos na formação de atletas ou estaria fadado
ao insucesso nas competições internacionais com a seleção alemã. Foi então que
a Federação contratou o técnico Joachim Löw e deu a ele um contrato de 10 anos
para renovar o futebol, investindo na formação de jovens atletas.
Na Copa do
Mundo de 2010, a Federação alemã não viu problemas em reconhecer que sua
seleção não chegava à competição como favorita e não tinha a obrigação de sair
campeã. O objetivo era outro: dar experiência às revelações. O time base alemão
tinha um terço de jogadores com média de 23 anos de idade.
Atualmente,
Bayern de Munique e Borussia Dortmund são a base da seleção alemã. Dos 23
jogadores, oito são do Bayern e cinco do Dortmund, sendo quatro titulares de
cada clube. No total, 18 jogadores atuam no futebol alemão. Reflexo da força da
Bundesliga e da renovação do futebol germânico.
Em recente entrevista ao canal ESPN Brasil, Paul
Breitner, ídolo e “embaixador” do Bayern de Munique, afirma que o Barcelona serviu
de inspiração para o clube bávaro e também para o futebol alemão. Lembrando,
sempre, que esse trabalho deve se iniciar com jovens adolescentes, sendo projetado
para gerar frutos a médio prazo. “Você tem que compreender que para mudar sua
forma de jogar futebol, são precisos no mínimo seis ou oito anos de trabalho. Não
adianta tentar mudar jogadores que tenham 17, 18, 19 anos de idade. Você
precisa começar a trabalhar com eles aos 12, 13 anos de idade”, analisou.
Guiado pelo
modelo catalão, o futebol alemão, com a racionalidade que é característica à
sua cultura, conseguiu se transformar. As novas gerações de Bayern de Munique e
Borussia Dortmund são a prova disso. Com seu estilo de futebol moderno e
espetacular, bem diferente do rigor tático e vigor físico tradicionais alemães.
Conclusão
As
semifinais da Liga dos Campeões não colocarão frente a frente apenas Bayern x
Barcelona ou Dortmund x Real Madrid. Estará em disputa o modelo de se pensar e
gerir o futebol em sua totalidade. De um lado, o modelo alemão de controle
financeiro e primazia à competitividade através de divisão equânime dos
recursos; do outro, o modelo espanhol de descontrole, prejuízos financeiros e
desigualdade nas competições internas.
E aí, qual
é o modelo que o futebol merece ter? O modelo da competitividade e do fair-play
financeiro? Ou o modelo desigual e insano em sua essência?
Eu assumo
minha posição: torcerei por uma final alemã. Pelo bem do futebol, que Bayern de
Munique x Borussia Dortmund pisem o gramado de Wembley no dia 25 de maio e
mostrem ao mundo que existe uma alternativa para além dos gastos exacerbados e
da irresponsabilidade na gestão desportiva.
“Nós
contratamos jogadores com o nosso dinheiro”, Paul Breitner, ídolo e ‘embaixador’
do Bayern de Munique, no programa Bola da Vez (ESPN Brasil), explicando que seu clube não precisa de empréstimos em
bancos ou de investidores para contratar reforços.
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