sábado, 4 de maio de 2013

A Copa do Mundo e a fantasia do “em se construindo, tudo dá”



“Em se plantando, tudo dá”, esta é uma citação atribuída a Pero Vaz de Caminha, em carta endereçada ao rei dom Manuel, ao relatar o que encontrara nas terras que acabara de “descobrir”, o que hoje chamamos de Brasil. Entretanto, ao contrário do que propagandeou o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, ao tentar consolar seu rei pelo fato de não ter encontrado o que realmente se esperava (ouro - que só 200 anos depois seria descoberto), no início da exploração do novo território, não foi nada fácil colher os frutos do que se plantava ou cultivava. Passados pouco mais de cinco séculos da célebre carta de Pero Vaz, eis que o Brasil vive outro momento de fantasia. Agora, a ilusão não é de plantações que prosperarão “quase que infinitas”, citando o escrivão português, mas de construções. Alimentado pela felicidade de sediar o maior evento esportivo mundial, a Copa do Mundo FIFA, o Brasil vive a expectativa do “se você construir, ele virá”. Ou seja, a ideia de que megaconstruções de estádios milionários (e alguns bilionários) trarão o desenvolvimento. Do “em se plantando, tudo dá”, passamos ao “em se construindo, tudo dá”.

A noção de “se você construir, ele virá” é originária dos Estados Unidos e se fundamenta em uma premissa básica muito simples: construir estádios onde eles não existem é edificante e bom para todos. “Em qualquer cidade dos Estados Unidos, em qualquer momento, alguém está planejando construir um novo estádio esportivo excepcional. (...) Donos de times normalmente exigem que os contribuintes da cidade anfitriã banquem um estádio, com estacionamentos lucrativos. Tudo isso é então repassado ao dono da franquia, que também fica com o dinheiro que ganha vendendo ingressos”, é o que detalham o jornalista Simon Kuper e o economista Stefan Szymanski, em Soccernomics. O grifo em contribuintes é nosso e foi feito para chamar a atenção para o que acontecerá, por exemplo, com o estádio que foi construído no local do antigo Maracanã. Dinheiro público na construção de uma praça esportiva que em breve passará para as mãos de um gestor privado.

No excelente Soccernomics, Kuper e Szymanski ainda explicam que, nos Estados Unidos, há “uma pequena indústria de consultores que existem para fornecer justificativas econômicas” para as construções de estádios. O importante é convencer a população (que bancará tudo, direta ou indiretamente) da necessidade, importância e, principalmente, dos benefícios futuros das obras. E o argumento é conhecido por todos: as obras geram empregos para os operários da construção civil e os estádios empregarão pessoas, depois de prontos; torcedores virão (“se construir, ele virá”) e gastarão dinheiro; novos negócios surgirão para atender a demanda dos torcedores; a região do estádio passará por um desenvolvimento, com mais pessoas querendo morar no entorno; etc.

Esta ideia não se manteve restrita apenas aos EUA. Ela se espalhou. Primeiro para o futebol europeu. Em conseguinte, para todo o futebol mundial. Os estudos de “impactos econômicos” sempre apresentam números extraordinários, com vantagens financeiras que dificilmente ficam abaixo da casa dos bilhões (dólares, euros, reais, escolha a moeda). Mas será que essas construções realmente geram um retorno positivo para as localidades que despendem tanto esforço financeiro?

Kuper e Szymanski apresentam o trabalho do economista e ex-atleta de alto nível Rob Baade, The Sport Tax. Especializado em finanças públicas, Baade resolveu estudar com profundidade a relação entre a construção de arenas esportivas e o desenvolvimento local. O estudioso chegou a uma conclusão, que contrariava, evidentemente, os interesses econômicos daqueles que vendem a ideia de “em se construindo, tudo dá”: o investimento público em estádios não gera um bom retorno para os contribuintes. “Ao contrário do que alegam funcionários das prefeituras, este estudo descobriu que quase sempre esportes e estádios não têm qualquer impacto positivo significativo na economia da cidade”, afirmou Baade.

Evidentemente, os primeiros estudos de Baade foram sobre estádios da liga de futebol americano (NFL) e da liga de beisebol (MLB). Em 1994, ano que os EUA sediaram a Copa do Mundo, ele e Victor Matheson fizeram um estudo sobre o impacto do evento no país. Tentaram encontrar elementos que comprovassem a ideia de desenvolvimento acelerado nas cidades-sede. Adivinhem a que conclusão chegaram. Pois é, Baade e Matheson não encontraram evidências de que sediar a Copa do Mundo implicaria em desenvolvimento local.

Mas se países como Inglaterra (que esperava 250 mil turistas estrangeiros na Euro 1996 e recebeu menos de 100 mil, que gerou US$155 milhões em faturamento, nada comparado aos US$20 bilhões gastos por estrangeiros no país naquele mesmo ano) ou Alemanha (cujos 2,8 bilhões de euros gastos por visitantes na Copa do Mundo de 2006 não cobriu a despesa pública para preparar o evento e era totalmente irrelevante, quando contraposto ao 1 trilhão de euros gastos por consumidores anualmente na Alemanha) ainda podem se dar ao luxo de bancarem este tipo de “festa”, há nações em que o mau uso do dinheiro do povo podem ter consequências drásticas para a população. São os casos de Portugal, que sediou a Euro 2004, e África do Sul, sede da Copa de 2010. Este deverá ser, também e infelizmente, o caminho traçado pelo Brasil.

Euro 2004 e as dívidas para os próximos 20 anos

Estádio de Leiria, hoje sem clube que o utilize

“A Euro 2004 foi um exemplo da estratégia para o desenvolvimento para o abismo que Portugal seguiu.” A frase, impactante, é do presidente da Câmara Municipal do Porto (o equivalente a prefeito, no Brasil), Rui Rio. A sua autarquia, que teve dois estádios naquela competição – Dragão (FC Porto) e Bessa (Boavista) – tem uma dívida de 28 milhões de euros, contraídas a partir de empréstimos bancários para que pudesse realizar as obras de infraestrutura da cidade, a fim de receber os jogos do torneio europeu de seleções. Este número corresponde a 25% da dívida que o município do Porto tem com os bancos, em balanço de 2012.

A soma do rombo nos cofres públicos será sentida, pelo menos, nos próximos 20 anos. O povo português, que hoje sofre com uma enorme crise financeira e com a austeridade da Troika, sentirá no bolso o preço da ilusão do “se você construir, ele virá”. Estádios de cidades como Algarve, Coimbra, Aveiro e Leiria vivem às moscas. No caso de Leiria, o time local, União, deixou de mandar seus jogos no estádio da cidade, por não ter como cobrir as despesas da arena.

Nas quatro cidades citadas, os municípios pagam cerca de 55 mil euros por dia para manterem os estádios (entre manutenção e pagamento de empréstimos). Em Braga, onde atua o Sporting Braga e com naming right – Estádio Axa – a prefeitura paga, anualmente, 6 milhões de euros aos bancos, por empréstimos relacionados ao estádio.

Em Portugal, como se vê, construíram-se estádios e o que veio não foi o desenvolvimento, mas sim a dívida. Que será amargamente sentida por anos e anos pelo povo, claro.

Do sonho da invasão estrangeira à realidade dos elefantes brancos

Mbombela Stadium, um elefante branco sul-africano

Quando anunciada, a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul foi vendida aos sul-africanos como a salvação nacional. Criou-se a imagem de que o evento da FIFA, como os “esperados” 500 mil turistas estrangeiros, traria para o país africano o desenvolvimento. Passados três anos do evento, que recebeu cerca de 300 mil estrangeiros visitantes, cinco dos dez estádios construídos para a competição são mantidos exclusivamente com dinheiro público. A sonhada invasão estrangeira deixou apenas os elefantes brancos, pagos, logicamente, com o dinheiro do povo sul-africano.

Estádios como Moses Mabhida (Durban), Green Point (Cidade do Cabo), Nelson Mandela Bay (Port Elizabeth), Mokaba (Polokwane) e Mbombela (Nelspruit) não conseguem cobrir seus custos. Em alguns casos, estudos apontam que seria mais barato, para os cofres públicos, a demolição dos estádios do que pagar pela manutenção ao longo dos próximos anos.

O governo da África do Sul (que é o mesmo que dizer, o povo) gastou R$ 8,8 bilhões na construção de estádios e nas obras de infraestrutura. 130 mil empregos temporários, criados para o evento, deixaram de existir nos dias que se seguiram à primeira conquista da Copa do Mundo pela seleção da Espanha.

A FIFA, que não gastou um centavo sequer em construção de estádio ou demais obras e muito menos teve que pagar impostos, lucrou R$ 4,7 bilhões com a Copa do Mundo da África do Sul. Enquanto o povo paga a conta. O lucro fica com a iniciativa privada.

Aonde foram parar os investimentos privados na Copa de 2014?

Alguém se lembra da frase “uma Copa bem organizada é aquela que tem recursos prioritariamente do setor privado”? Pois é. O ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, certa vez afirmou a Copa de 2014 seria fruto de investimento privado. Entretanto, 90% das obras relacionadas ao evento da FIFA têm sido bancadas com dinheiro público. Ao todo, cerca de R$ 47 bilhões do dinheiro do povo brasileiro serão gastos para que o país sedie a competição, de acordo com dados do Blog do Planalto.

Aqui no Brasil, como já era de se esperar, “consultores” e “especialistas” logo trataram de certificar que sediar a Copa do Mundo FIFA seria um grande negócio para o país. O economista-chefe de um dos principais bancos privados fez, vejam que coisa mais espantosa, um estudo sobre os “impactos econômicos” da realização do Mundial e concluiu, vejam como é ainda mais espantoso, que os gastos com o evento gerariam um impacto de 1,5% sobre o Produto Interno Bruto (PIB) nacional. O Ministério do Esporte, em 2011, declarou que o impacto poderia chegar, direta e indiretamente, a R$ 185 bilhões. Sim, isso mesmo. Sei que o texto é longo, então, sintam-se à vontade de voltarem ao terceiro parágrafo. Viram? Não é sensacional como o discurso é o mesmo ao longo das décadas?

O que os “consultores”, “especialistas” e autoridades públicas não comentam é sobre os elefantes brancos que ficarão como legado da Copa de 2014. Estádios em que o dinheiro do povo foi empregado e que jamais darão retorno, assim como acontece com várias praças esportivas portuguesas e sul-africanas. Ou alguém acredita que Manaus, Cuiabá, Brasília (com o colossal Estádio Nacional) e até mesmo Natal terão como manter suas arenas? Para não falar do Castelão, em Fortaleza, cujos contratos de utilização por parte de Ceará e Fortaleza são de curtíssimo prazo, uma vez que nenhum dos clubes se mostrou disposto a arcar com os altos custos das despesas de manutenção do estádio por muitos anos.

Ainda na questão dos estádios, há o exemplo daquilo que construíram no local do antigo Maracanã. Praça esportiva que consumiu R$ 1 bilhão dos cofres públicos passará por processo de concessão, uma forma de privatizar a gestão (e o lucro) do estádio. Ou seja, assim como acontece com os estádios nos Estados Unidos, o “novo” Maracanã terá sido construído com dinheiro do povo, mas ficará sob o controle de um grupo privado, que lucrará isoladamente com isso. Onde está o interesse público nisso? Qual é a vantagem deste negócio para a população carioca e brasileira?

Ao custo final de R$ 610,037 milhões a Arena Pernambuco foi construída em Parceria Público-Privada, entre o Governo do Estado de Pernambuco e o consórcio liderado pela Construtora Norberto Odebrecht do Brasil. Projetada para integrar a denominada Cidade da Copa, a Arena Pernambuco é a primeira etapa do projeto, que, segundo o governo estadual, deverá ser concluído apenas em 2025. Entretanto, a previsão original seria de que, em 2014, além do estádio, estariam prontos parte do centro de convenções, um shopping center e um hotel com 300 quartos. Com apenas a Arena pronta, é provável que, da sonha Cidade da Copa, apenas o estádio esteja erguido em junho de 2014.

Conclusão

Há um ponto que é praticamente unânime entre os economistas especializados no tema: sediar uma Copa do Mundo não deixa o país (ou local) mais rico. O que justificaria, então, o desejo de tantas nações em sediarem um evento deste porte? Seria apenas a busca pela felicidade que gera em sua população? Será que gastar R$ 50 bilhões do dinheiro do povo brasileiro é mesmo justificável para alimentar a fantasia da felicidade de ser sede de uma Copa do Mundo? Eu penso que não.

Um comentário:

  1. Vamos comentar. Eu gostaria de alguém em todo Brasil cite um estádio que tenha LUCRO. Vamos lá, pegue todos os times que tem estádio PRÓPRIOS e vejam o quanto eles devem ao governo. Exemplo. Corinthians e Flamengo, ambos tem dívidas similares, entorno de 800 milhões. No caso do Corinthians, devem 800 milhões e irá dever mais 500 milhões. Portanto, o Itaquerão, sabe quando ele irá dar LUCRO, lá pelo ano de 2120. Agora de todos os estádios (Brasília/Cuiabá/Manaus/Natal), creio que apenas os de Brasília e Manaus, terão serventia. Pois tem muita mentira para denegrir essas cidades, eu quero que prove um estádio no Brasil que viva única e absolutamente para o Futebol. Detalhe, Morumbi, sabe quem sustenta o estádio, mesmo não dando lucro, mais, gera mais recursos. O Futebol ou os Shows. Se responderam Futebol, erraram feio. Pois se fosse depende do Futebol, o SPFC teria de colocar no prego o estádio para pagar dívidas.

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